Existem várias Coreias do Norte.

Agora, que a água bateu no pescoço de todos com o Brasil passando dos 60 mil casos e das 5 mil mortes, parece que todos se perguntam se o Bolsonaro é uma pessoa realmente capaz de governar um país, se ele realmente está preocupado com a corrupção sua mitigação e, principalmente, se ele está de posse suas faculdades mentais.

Claro que “não” seria uma resposta adequada à essa pergunta, seja ela qual for. Bolsonaro não é uma pessoa capaz, em nenhum termo, de estar onde está. O presidente de uma nação deveria ser uma pessoa brilhante, articulada e um líder. Bolsonaro não é nada disso. Ele é o pai daquele seu amigo, o pai muito gente boa (no limite que os anos nos impõe) que conta piadas machistas e homofóbicas enquanto assa um churrasco e sai pra pescar. Talvez até te pague um puteiro aos 18 anos e fale da experiência dele barranqueando no interior.

Mas ele jamais poderia ser presidente, ele jamais poderia ter saído do baixo clero legislativo que ele sempre ocupou com fervor. Ele é o meu tio piadista, não o presidente.

Bolsonaro esperando se encontrar com o então presidente Lula.

Pipocam, assim, hipóteses de porque ele chegou onde chegou e se a culpa é do CQC e da Maria do Rosário — ainda que eu não goste pessoalmente de ambos, nenhum deles é responsável, ao menos diretamente, pelo Bolsonaro ter virado presidente.

Pra entender isso melhor, precisamos voltar no tempo e nos lembrar da vitória do Lula em 2002 onde ele bateu todos os recordes de votação com mais de 60% dos votos. Ganhou em todos os estados, praticamente. Varreu o país após a sua carta ao empresário brasileiro e chegou ao palácio do planalto como a salvação de um país combalido pela queima proporcionada pelos últimos dois anos do governo do FHC. Dólar alto, desemprego, pressão inflacionária e recessão batendo na porta. Lula era o messias.

Mas esse messias estava com outro alvo em mente.

Os pequenos empresários desse país votaram massivamente nele — todo mundo assim fez — e esperavam dele uma nova maneira de governar para eles, os pequenos empresários sanguessugas do país e dos trabalhadores. Profissionais liberais, quase todos com nível superior ou de classe alta (por conta da renda dos seus comércios no centro da cidade e da informalidade que lhes garantia uma “isenção” de impostos e obrigações trabalhistas), esperavam ansiosamente pela volta dos anos Sarney ou Collor, pelo controle rígido das zonas de comércio e a vista grossa aos pequenos deslizes legais que eles cometiam, afinal, o Estado gasta muito né?

Mas Lula veio e mudou o foco da política do Brasil, se apegou ao que se chama muito frequentemente de “social democracia de terceira via”. Lula se apegou essencialmente do modelo alemão de social democracia, erguendo a mão de ferro do Estado contra os empresários sanguessugas e se focando numa ideia inusitada de dar condições às pessoas pobres de saírem da pobreza extrema e ficarem apenas pobres, final, os bancos ainda precisam lucrar bastante. E claro, Lula deu aquele toque brasileiro à social democracia.

Voltando ao presente, explicamos pelas vias tortas do governo Lula ½ porque hoje o Bolsonaro é o que é e como ele se elegeu (tirando as manobras virtuais e a guerrilha do Steve Bannon).

Aqueles profissionais liberais, que se acham o esteio do país, quase todos hoje tem uma tendência bolsonarista e conservadora, exatamente pela classe social que eles representam e, principalmente, pelo sentimento de abandono que eles têm em relação ao governo petista.

No entendimento desses pequenos comerciantes e trabalhadores liberais com nível superior, eles foram deixados de lado. Pros pobres foi criado o MEI e o SEBRAE dava cursos de graça. Pra eles, no máximo o SIMPLES nacional.

Pros empregados deles, antes sem carteira e sem opção, foi dada a opção de ir pra universidade, ganhar mais e exigir CLT, para as empregadas domésticas nas casas dessas pessoas, eles tiveram que assinar carteira.

E eles? Só mais imposto, mais direitos pra pagar, mais concorrência na medida em que o governo liberava linhas de credito pra microempresas

Mais gente nas periferias abrindo mercadinhos com o dinheiro que o BF injetava nas famílias, e com isso, mais famílias deixando de sair da favela pra comprar nos mercadinhos desses caras. Pros profissionais liberais, mesma coisa. Mais contadores, mais advogados, mais tradutores, mais professores particulares, enfim, mais pobres concorrendo com eles pelo espaço que antes lhes era garantido. E a invasão do espaço parco e normalmente reservado à classe média explodiu nos rolêzinhos e virou o bolsonarismo.

No final, o bolsonarismo é alimentado pelo rancor dessas pessoas com o PT mais do que qualquer coisa.

Assim, 2013 não foi um ato de rebeldia contra o sistema, foi exatamente o oposto, era o sistema se reorganizando de tal forma a manter-se em pé pelas vias que fossem necessárias. Sendo assim, o capitão caçador de corruptos, o economista libertário amigo de empresas de investimentos e o juiz super-homem que prende quadrilhas se juntaram, ganharam a benção da FIESP e transformaram o Brasil num balcão de negócios, ou melhor, numa venda de garagem, ou garage sale, como gostam os eleitores do Bolsonaro.

E provavelmente tudo estaria dando certo e a agenda privatista e entreguista do Paulo Guedes e da FIESP estariam de vento em popa, junto do teto de gastos, do congelamento de salário dos servidores públicos, da agenda conservadora de costumes e da destruição da educação e da pesquisa nas universidades e escolas públicas. A variável caótica nesse cenário se chama COVID19 e, graças a Deus, ele parece estar mostrando ao mundo que o capitalismo precisa de pesada regulação estatal e, mais do que tudo, precisamos de estatais fortes e um Estado operante, ao contrário do cambaleante que o guedismo prega.

No Sul, mais de cinco mil pessoas já morreram (27/04) e ainda estamos discutindo uma agenda liberal-assassina no Brasil. No Norte, mais de 60 mil pessoas morreram nos EUA (com absurdos 1 milhão de casos) e, ainda assim, o Trump consegue impor uma agenda liberalizante baseada no medo do comunismo. Em comum, ambos países com governos de direita com líderes centralizadores e que oferecem o medo como ferramenta de controle e o culto à personalidade como saída para o inimigo imaginário deles.

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Enquanto isso, os super-ricos seguem ganhando dinheiro, como sempre, afinal, quanto mais problemas “práticos” surgirem no horizonte do governo, mais a base se recrudescerá e o sentimento de que ele é o homem que está se sacrificando pelo país/pátria se tornará mais latente nas população, principalmente nas mais pobres, e isso é ótimo pros negócios.

E o Bolsonaro se baseia MUITO no culto à personalidade dele, como o cara “honesto, íntegro, simples e disciplinado”

E você?

Ou morre, ou vira inimigo.

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